[MOVIE] Speedrun - MaXXXine, Longlegs e The Substance
Correndo contra minha própria procrastinação, resolvi agrupar os melhores filmes de terror que assisti nos últimos meses. Aproveito pra dizer que fico feliz que cada vez mais os filmes de terror tem ganhado espaço e respaldo. Muitas vezes a escuridão é acompanhada pela profundidade, e acho que esse é um dos pontos chave em qualquer filme de terror. Fazer um slasher barato é fácil, mas fazer algo que vai mexer com você sem nem saber como mexeu é uma arte delicada, e importante pra nos chacoalhar um pouco de vez em quando. Com isso, vamos de pipoca e cuidado, pois as reviews hoje contêm leves spoilers.
MaXXXine
MaXXXine é o encerramento de uma trilogia com um grande peso nas costas. Apesar de X e Pearl não terem sido grandes bilheterias, com certeza agitaram o mundinho dos fãs de terror, e inclusive geraram um fanbase quase que digna de diva pop para os filmes. Enquanto X mirava nos filmes slashers dos anos 70/80 como inspiração (sendo talvez o mais claro deles O Massacre da Serra Elétrica), e Pearl retoma muito de O Mágico de Oz, aqui a inspiração da vez foram slashers um pouco mais noir/eróticos dos anos 80, que inclusive montam muito bem toda a base da ambientação do filme. E fecham muito bem com a própria proposta da trilogia de explorar o quanto terror e erótico andam de mãos dadas em Hollywood.
Era de se esperar que, após o aclamado monólogo em Pearl, fossemos ter algo semelhante em MaXXXine, e felizmente isso vem logo no começo do filme, durante uma audição de Maxine, pois não só nos relembra do quão Mia Goth consegue ser brilhante ao mergulhar numa personagem, como também já praticamente diz: O que vocês esperavam está aqui, vamos pro novo agora?
Uma das minhas ressalvas com o filme, porém, é justamente o quão brilhante Mia está no papel de Maxine, pois ao mesmo tempo em que ela entrega uma personagem complexa, forte e ousada nos momentos certos, nenhum outro personagem chega à altura dela, deixando uma sensação de que Maxine quase vive num mundo paralelo dos demais personagens. Todos parecem planos e caricatos, sem um passado intrigante ou qualquer motivação que não seja algo imediato. Talvez fosse a intenção, tentando criticar a superficialidade das pessoas na indústria do entretenimento e adjacentes, mas isso acabou me gerando um baita dum MiXXXed feelings.
Outro ponto negativo, é a proposta de termos um assassino misterioso no filme, mas não pela proposta em si, e sim por essa ideia estar dentro dessa falta de personagens fortes. Isso funciona muito bem em filmes como Pânico pois neles rapidamente somos apresentados a um grupo de personagens que potencialmente serão o assassino, ou assassinos. Maxine, porém, está numa cidade nova, onde seus amigos não parecem ser amigos entre eles, e logo os mesmos são eliminados. Chega a ser triste como Halsey mal aparece no filme e já é executada logo depois. Você não chega a criar aquela dúvida sobre nenhum personagem, pois todos parecem tão rasos e sem intenções claras em explorar Maxine que logo você pensa "bom, deve ser alguém do primeiro filme". Mas aí você lembra que todo mundo de lá morreu naquele filme mesmo, e dada a cena de abertura do filme, acaba ficando claro de onde virá o assassino. E eu, honestamente, achei a referênia a Psycho tão fraca e mal-aproveitada que só me fez desgostar dela ainda mais.
Como pontos fortes além de Mia, temos a trilha sonora excelente, e também uma ótima ambientação em quase todas as cenas. Criar uma atmosfera noir parece simples num primeiro olhar, mas qualquer elemento errado em um quadro pode comprometer toda a experiência. Felizmente MaXXXine aqui tem consistência suficiente. Ainda, as referências e críticas à própria indústria do terror, e ao quão estigmatizados são os filmes, seus diretores e suas diretoras, e suas scream queens, é outro fator que dá muita força e caráter ao filme.
No fim, MaXXXine tem ideias ótimas, mas não consegue executar tudo tão bem. Um casting mais contido talvez criasse melhor a atmosfera de amigos x suspeitos que o filme tanto precisava em seu alicerce. Mas ainda assim consegue ser um bom desfecho para uma trilogia construída por pessoas que amam terror e feita para pessoas que amam terror.
Longlegs
Um homem alto, pálido e deformado rondando crianças. Bonecas aparentemente amaldiçoadas. Uma policial com um passado conturbado. Uma mãe ultrareligiosa. Se você enumera os elementos do plot de Longlegs em bullets, nada soa muito promissor ou original. Mas isso porque o trunfo do filme não está em sobre o que ele é, mas como ele se mostra.
Um dos grandes acertos do filme vem logo na escalação e atuação dos personagens chave: Maika Monroe como a policial perturbada Lee, Alicia Witt como a religiosa mãe Ruth, e (surpreendemente pra mim) Nicolas Cage como o diabólico Longlegs. Cada um tem uma energia muito definida e extremamente bem incorporada por cada um de seus atores. Com poucos segundos de cena, é possível entender que tipo de personagens temos à nossa frente, e isso abre espaço para nos preocuparmos com tudo o que rodeia esses personagens. E o filme quer que nós façamos isso, pois muitos detalhes ficam ao fundo, inclusive com sombras diabólicas aparecendo borradas ao fundo em vários momentos. Cada quadro, cada caixa, cada boneca parece ter um propósito no story telling do filme, num grande Onde Está Wally? em forma de filme de terror.
Com takes muito bem montados e executados, quase todo momento do filme pode virar um quadro na parede. Ambientes amplos, com muito chiaroscuro trazendo nossa atenção para os personagens e logo depois para o vazio, alimentando aquele medo do que pode surgir das sombras. E na construção lenta e constante de jumpscares que não chegam, o filme te prende em uma expectativa tensa e densa. O desnerolar da história vai criando momentos cada vez mais absurdos, mas não surreais, até o clímax do filme. Isso me lembrou, inclusive, alguns livros de terror de Stephen King da sua fase mais moderada, não apressada em contar demais e matar demais, mas de aos poucos nos tirar de uma cidade real para nos jogar num pesadelo.
Um ponto não-usual de Longlegs é abrir o filme já mostrando quase que totalmente o temido "monstro" que dá nome ao filme, ao invés de ir deixando teasers graduais. E justamente ao cortar a abertura quando ele mostra seu rosto, já se inicia a sequência de tensões que se criam quando algo não acontece. Mostrar esse mesmo vilão em cenas cotidianas, como numa loja ou dirigindo, acrescenta ainda mais estranheza a ele, pois ele distoa com tanta intensidade desses ambientes que você nunca sabe como ele vai se portar ou agir. Por outro lado, Lee é sempre tão centrada e internalizada que todo e qualquer outro personagem parece demasiadamente invasivo ou falante. Sem nem perceber, começamos a olhar para as pessoas como a própria Lee, e isso também acrescenta muito à nossa percepção enquanto espectadores.
Não quero falar demais pra não comprometer a experiência de quem não viu, e também porque acho que não falar demais combina com o filme. Como ponto fraco, por pura petulância, apenas diria que o final do filme se preocupa demais em explicar todas as pontas. Por mais que seja bom que haja um porquê para tudo, criando coesão para o universo do filme, esse quase "monólogo do vilão explicando todo o seu plano para os mocinhos" tira um pouco da magia e do mistério que foram sendo tão minuciosamente construídos. Nos filmes, mas especialmente no terror, menos pode ser mais, e se não fosse por isso o filme seria perfeito. Mas chega perto o suficiente. Muito perto.
The Substance
Vou ser sincero: eu já tinha deixado o nome do filme no rascunho desse post mesmo antes de ir ao cinema. Só pela comoção nas minhas bolhas das redes sociais e pelo que fui pescando da crítica, seria um filme muito marcante, para o bem ou para o mal. E felizmente o filme superou minhas expectativas.
O filme trabalha muito bem diversas justaposições: não só as duas "idades" de Elisabeth, mas vemos o belo e o grotesco de Hollywood; os cenários e cores belíssimos contrastados com ambientes horríveis: pessoas joviais com corpos imaculados versus os feridos, mutilados e deformados; o prazer da exposição e também toda a dependência que ela gera. É também trabalhada a oposição dos envelhecimentos para os homens e as mulheres: elas "decaem", "param" mesmo estando belas e impecáveis, enquanto eles envelhecem ganhando influência, respaldo e têm uma liberdade maior em permitir que seus corpos de fato envelheçam.
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