[MUSIC] Anberlin - Vega
Falar de Anberlin pra mim nunca é coisa fácil. É como lembrar de um relacionamento com alguém que conheci numa festa aleatória, nos reencontramos anos depois e nos (re-)conectamos de cara, mas entre as indas e vindas dos anos acabamos nos afastando, depois se reaproximando, e assim por diante. Mas num nível mais íntimo, sem envolver romance. Por isso, quando vi que a banda, supostamente findada em 2014, iria lançar um álbum 10 anos depois do então-término, fiquei arrepiado em expectativas.
Eis que parei pra ler um pouco mais e fiquei com tantos mixed feelings que não sabia mais o que sentir pelo álbum. Seria um lançamento com um novo vocalista, Matty Mullins (também vocalista da banda Memphis May Fire), mas também haveria músicas com o anterior vocalista, Stephen Christian, no meio. E algumas dessas músicas eram velhas. Aliás, quase todas. Então sobre o que era esse apunhado de músicas?
Bom, sinto que não conseguiria explicar tudo sem dar alguns bons passos pra trás, pois como falar dessa banda que por um lado me trouxe momentos incríveis mas por outro me fez ver um show do Fresno? Preciso tornar essa review quase em um "Revisitando". Então, com licença, mas vamos brincar de viagem no tempo.
Em meados dos anos 2000, estava na sala de TV da minha avó, assistindo clipes na MTV. Comecei a prestar atenção em um que passava quando ele já estava no primeiro refrão, mas eu fiquei fisgado pela melodia, pelos instrumentos e a voz do vocalista, num conjunto que me passavam uma sensação de fuga, uma coisa meio chefão de jogo de terror talvez, mas não tão caricato. No clipe, uma banda como todo o visual emo característico da época, principalmente o vocalista (na foto ali em cima com sua franja extremamente on point cunty work it). Mas a ideia do clipe combinava muito com a música, cenários saídos de um Jogos Mortais ainda mais B que o próprio, ou mesmo saído de qualquer outro filme em que alguém é aprisionado em um cativeiro antigo. Mais pro final do clipe, a moça que vai e vem no clipe se afunda em líquido escuro que enche uma banheira, e quando finalmente conseguem abrir o banheiro onde ela está, sobrou apenas o vestido ali, o que junto de um riff final de guitarra, me arrepiou.
Só que sei lá porque cargas d'água não consegui memorizar o nome da banda ou da música. Geralmente a MTV mostrava essas informações, mas não sei se eu fiquei tão imerso na música que não percebi, ou se por falha deles não haviam os dados. O fato é que eu não consegui por anos descobrir quem eram aqueles caras nem qual era a música. Sim, antigamente não dava pra gravar um aúdio da TV e jogar no celular pra rastreá-lo, lembram?
Bom, alguns anos pra frente, uma amiga no MSN indicou uma música chamada The Haunting, e eu fiquei apaixonado pela canção. É um fruto de sua época, não vou negar que não envelheceu tão bem, mas era de uma atmosfera tão imersiva e agridoce, que aproveitei e baixei o álbum todo que continha essa música. Lost Songs, da banda Anberlin. Ele não tinha nenhuma outra a altura de The Haunting, e eu demorei pra perceber que isso era pelo álbum ser um apunhado de b-sides, covers e versões alternativas/acústicas. Aliás, também fiquei bem fisgado em um cover interessante de Enjoy the Silence, do Depeche Mode.
Quando finalmente percebi (isso é, li na Wikipedia) que o álbum não era um álbum de estúdio, logo fui baixar o mais recente deles na época, Dark is the Way, Light is a Place. Algumas faixas eram incriveís, cheias de energia, como We Owe This To Ourselves e To The Wolves, outras se aproximavam mais da imersão e melancolia que me fisgaram, como Art of War e Down. Mas também achei que metade era bem esquecível. Como eu tinha achado as faixas boas muito boas, continuei explorando a discografia deles.
Depois de alguns dias, eis que caio na faixa The Feel Good Drag do álbum Never Take Friendship Personal. E estava ali, finalmente, aquela música que me visgou na MTV anos atrás. Senti um terceiro olho, ou talvez um terceiro ouvido, se abrindo no meio da minha testa, e conectando pontos e expandindo o universo ao meu redor.
Só que ao mesmo tempo não era também a mesma música que eu tinha ouvido. Tive a impressão de a música ser mais crua e feral do que eu esperava, e depois de caçar aqui e ali eu entendi que essa música tinha sido regravada por eles mesmo anos depois e lançada como single, agora chamada apenas Feel Good Drag (sem o "The"), mas com vocais diferentes e sem um excelente grito gutural no break. Era um versão levemente aguada da original, e por algum motivo foi essa versão que deu super certo, e também iniciou uma discussão que perdura até hoje no fandom da banda: a original é a melhor, ou a regravada que alavancou a carreira deles?
Fiz questão de voltar minhas memórias nessa(s) música(s) porque essas duas versões resumem bem meu maior dilema com Anberlin: Num momento parece que eles começam a sair do básico do emocore da época e vão pra algo mais intenso ou algo mais imersivo, e logo na faixa seguinte voltam atrás. Seria um problema com a gravadora? Seria o passado cristão da banda (sim) os segurando de se jogarem de vez no instinto deles? Talvez uma falta de maturidade e confiança? Em todos os álbum que haviam sido lançados até ali eu sentia esse vai-e-vem de energia e som, e pra ser sincero, nenhum deles era completamente bom pra mim, mas eu AMAVA as faixas boas.
Em 2012, a banda lançou seu sexto álbum Vital. Foi paixão ao primeiro play. A capa acima resume pra mim muito bem a energia do álbum, que abre (pra variar) com uma faixa acelerada e intensa, em mudanças repetinas como uma onda que te atinge do nada. E o álbum ondula também essa energia, felizmente, quase como as indas e vindas das ondas e da maré. Não era um álbum enjoativo, nem clichê. Finalmente podia me sentir um fã de carteirinha, e eles viriam ao Brasil com a turnê desse disco! Só que infelizmente deixei de ir pois o show era num domingo e segunda eu tinha uma prova. Reatores I, ou II não tenho certeza. Mas lembro que tirei 1,0 naquela prova. Acho que foi o maior arrependimento da minha vida até então, nem a desculpa de estar cansado do show eu tinha.
Avançando um pouco, estamos em 2014, e a banda anuncia seu fim. Porém, não sem antes sair em uma última turnê e lançar um último álbum: Lowborn. E ainda haviam anunciado o lançamento no dia do meu aniversário. Ao ler aquela notícia me senti o grão de areia mais único e especial de todo o universo, confesso. O álbum acabou sendo adiado porém, mas no meu coração a data de lançamento ainda é 23 de junho.
Dessa eu vez eu sabia que não deixaria passar uma chance de vê-los se viessem ao Brasil. E felizmente estive lá, e vivenciei um dos shows mais legais da minha vida, completamente sozinho mas cantando com todo mundo perto de mim como amigos de longa data. Acho tão incrível o poder que shows tem quanto a isso, inclusive. Ainda bem que o show foi lindo, pois a abertura com Fresno foi difícil de engolir.
Voltando ao Lowborn, porém, temos aqui o meu favorito de todos os que eles haviam feito. Finalmente Anberlin decolou para novos ares, indo agora atrás de tons de shoegaze, mas depois pincelando um pouco de metalcore. Era de longe o álbum mais imersivo deles, e também o mais melancólico. Eu ainda me pego voltando a músicas como Atonement, Dissenter (!!!), Armageddon e Stranger Things. Sons etéreos, vocais com ecos, muitas camadas de som em todas as faixas. Ouvir o disco num bom fone era quase uma viagem. Foi uma linda despedida, não vou negar.
Avançando uns bons anos, chegamos à pandemia. A banda anunciou um retorno aos palcos, kinda, pois iriam transmitiram remotamente alguns shows. O legal, porém, era que em cada show eles performariam um álbum por inteiro. O que me deixou especialmente feliz foi que nenhuma música do Lowborn foi performada na turnê final deles. Entendo que queriam celebrar os clássicos, mas poxa, lançar TODO UM ÁLBUM e não cantar nem o lead single foi triste. E quando finalmente chegou o show do Lowborn, o vocalista estava absolutamente péssimo. Não sei se ele estava se recuperando de algo, mas nossa, como estava aquém dos demais shows. Indas e vindas com Anberlin, mais uma vez.
O lado bom? Eles produziram algumas faixas soltas nesse período, que lançaram em dois EPs ao longo dos anos. E o novo som era uma evolução do Lowborn: mais imersivo, mais cru, e quando precisava ter raiva tinha, quando era melancólico era MUITO melancólico.
"Ah, Gustavo, mas e o novo álbum Vega?"
Bom, o Vega nada mais foi que todas essas músicas agora juntas. E contendo duas novas com o novo vocalista.
Ou seja, uma bagunça. Por um lado, temos faixas incríveis, talvez algumas das melhores deles, como a drum-driven abertura Animals, e muito interessante como nessa Stephen Christian tenta, depois de tantos anos, cantar de novos jeitos. Outro destaque é a frenética e raivosa Two Graves, a primeira inclusive de toda essa leva da pandemia, e que trouxe tão fortemente aquele lado de raiva e energia que muitas vezes a banda segurava, como por exmeplo nos versos "You can play dead just to live / You can pray, but I don't forget". E também a surpreendente Lacerate em que Stephen dividiu pela primeira vez os vocais com outro membro da banda, aqui com o guitarrista Christian McAlhaney (adoro o fato de que o guitarrista tem como nome o sobrenome do vocalista, inclusive).
Pausa para apreciarmos Christian.
É, eu também.
Mas, focando. A primeira das faixas com o novo vocalista funciona bem, Seven. Os backing vocals do vocalista anterior embalando o novo inclusive ajudam a entender a música como algo do Anberlin. Não entendo porém porque eles precisam cantar toda hora "Enter the Vega era now" como se fosse um show da The Eras da Taylor Swift. E o que seria essa era, que logo volta para músicas com o vocalista original? E a segunda faixa nova, Walk Alone, é um desastre saído do álbum emo mais genérico dos anos 2000. Não combina em nada com as outras músicas, nem liricamente.
Mas aqui, de novo, as faixas boas são MUITO boas. Além das que já citei, a agridoce Circles tem versos lindos (gosto muito de "Left him there to just bleed / Running into circles to find myself / Lost myself to find me") e também a faixa final Nothing More que já é deliciosamente composta, daquele jeito cheio de camadas e ecos e riffs que eu tanto amo, e acho tão singelo como ela termina com nada mais que o barulho do mar por quase uns dois minutos. Ainda mais depois de cantar "I can't hear what words can say / When you lay hands on me". De fato, não há mais nada pra ouvir em alguns momentos do que o próprio momento. Lindo, lindo, lindo.
Porém a decisão de incluir aqui todas as músicas lançadas na pandemia e jogar duas novas no meio dessas faixas sem muita conexão faz o álbum pender àquele misto de excelência e mediocridade que eu via nos trabalhos anteriores. Acho injusto demais dizer que a banda sem Stephen Christian é fadada a falhar, leva um tempo pra recalcular rota. Mas justamente poderiam ter tido um pouco mais de calma para esse recálculo e termos algo mais polido e coeso. Fico pensando também porque Stephen e Christian finalmente dividiram vocais pra logo depois termos outro vocalista. Entendo que, pra sustentar um show todo, Christian não conseguiria substituir plenamente o colega, então okay trazer um novo vocalista para a turnê. Mas inseri-lo desse jeito nas músicas da banda foi infelizmente fraco demais.
Espero que pro próximo lançamento, se tivermos um, tenhamos a banda melhor recalibrada, pronta pra continuar de onde estavam, e não voltando pros anos 2000 do pior jeito possível. Pelo que Vega entrega em seus bons momentos, a banda mostra crescimento e maturidade, só falta conseguirem ter isso em todo o espectro do que a banda é.
Anberlin - Vega (2024)
⭐⭐⭐☆☆
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